segunda-feira, 29 de novembro de 2010

Meu Jogo Inesquecível: há 50 anos, Evaristo brilhava num Barça x Real

Com lugar de destaque no museu do Camp Nou, ídolo fez gol que selou os 2 a 1 na Liga da Europa, freando hexa de Di Stéfano, Puskas & Cia.

Por Márcio Mará Rio de Janeiro - Postado por, abraaonarede

O Superclássico que toma conta da Espanha e atrai as atenções no mundo inteiro escreve nesta segunda-feira mais um capítulo em sua história. Barcelona e Real Madrid fazem mais um duelo pelo Campeonato Espanhol que promete desfile de jogadas e gols de grandes estrelas. Há 50 anos e seis dias, pela Liga da Europa - hoje Liga dos Campeões -, o mesmo Camp Nou, local da partida, foi o endereço de um dos momentos mais marcantes no confronto. Noventa mil pessoas se espremiam - a grande maioria de catalães - no estádio na esperança de ver o Barça eliminar o time da moda pelas oitavas de final.

A rivalidade no clássico não era só esportiva, mas também política. A Catalunha contra Madri"
Evaristo

Era enorme a ansiedade. A rivalidade entre Barça e Real ficou mais aguçada após a Guerra Civil Espanhola. O Real sempre representou a realeza, o poder centralizador do ditador Francisco Franco, simpático ao clube. O Barça, a cultura e o desejo de liberdade do perseguido povo catalão, que sonhava ver terminada ali a hegemonia do pentacampeão europeu e praticamente imbatível time merengue. Com Di Stéfano, Puskas, Gento, Del Sol e Canário, o time da capital espanhola parecia uma seleção. Mas naquele dia, viveu a amargura da derrota. Os catalães foram para as ruas e jamais esqueceram do grande herói: o brasileiro Evaristo de Macedo, autor do segundo gol da vitória por 2 a 1.

Semana passada, na casa de Evaristo, o telefone tocou. A ligação era de Barcelona. Um dos maiores ídolos do clube catalão, com lugar de destaque no museu do Camp Nou, confessa que foi pego de surpresa. Não recordava da passagem dos 50 anos da partida, que tem importância enorme em sua carreira. O golaço de peixinho, segundo do Barça na partida, foi fundamental para a vitória. Depois, o time até perdeu a final da Liga da Europa para o Benfica de Eusébio. Mas o jogo com o maior rival se tornou inesquecível para o ex-atacante e ex-treinador, hoje com 77 anos, e os torcedores do Azul-Grená.

Evaristo de Macedo gol Barcelona 1960 contra Real Madrid Copa Europa
Vicente não alcança a bola, e Evaristo dá o peixinho para marcar o gol decisivo contra o poderoso Real Madrid de Di Stéfano e Puskas. Os jornais destacaram o lance e a eliminação dos merengues (Foto: Reprodução)

- Uma rádio lá da Catalunha me ligou. Era para falar sobre esse gol e uma goleada de 8 a 0 que demos, o Barcelona a repetiu na última semana... Fiz partidas marcantes por lá. Teve uma em que marquei três gols no Real Madrid. Mas essa da Liga da Europa, pelo que representava... Foi uma alegria muito grande naquele dia na cidade. Quando o Barça ganha do Madrid, é uma euforia. Eliminá-los foi uma loucura. A rivalidade não era só esportiva, mas também política. A Catalunha contra Madri. Mas nós, jogadores, não nos envolvíamos com isso.

A maior dificuldade, segundo Evaristo, nem foi pela rivalidade política, mas pela força do grande rival na época. Se o Santos brilhou com o bicampeonato da Libertadores e do Mundial Interclubes, o Real mandava na Europa.

Quando o Barça ganha do Madrid, é uma festa. Eliminá-los foi uma loucura"
Evaristo

- O time deles era pentacampeão europeu e jogava pelo hexa. Uma hegemonia muito grande. Era muito difícil vencê-los. Nosso time ganhou estimulado pela torcida. Felizmente, fui muito bem no lance do gol. Tem um filme dele lá no museu. Não tinha TV passando na época.

Evaristo recebeu também uma cópia do lance, que guarda com carinho. A imagem não é de qualidade boa. Mas dá para rever sempre a velocidade do ex-atacante na jogada, que começou num escanteio cobrado por Kubala para Olivella, pelo lado direito.

- O Olivella, nosso lateral, dominou e bateu na bola, mas não era um cruzamento. Foi um chute-centro. Vi que não ia dar tempo de chegar na corrida para bater com o pé. São aquelas coisas de um segundo... Resovi ir pelo ar, o Vicente, o goleiro deles, não conseguiu alcançá-la. Um lance muito difícil de se repetir. A precisão na velocidade e no arremate. O gol foi importante porque a partida estava 1 a 0 para nós e muito dura. Deu-nos mais tranquilidade.

Partida tensa

O jogo no Camp Nou já havia começado tenso. No confronto de ida, no Santiago Bernabéu, em Madri, houve empate por 2 a 2. Favorito, o Real teria de vencer no tempo normal para evitar uma prorrogação. Mas acabou surpreendido aos 33 minutos. Em cruzamento do húngaro Kubala, Vergés abriu o placar.

Evaristo de Macedo gol Barcelona 1960 contra Real Madrid Copa Europa
Evaristo vibra com o gol que impediu o hexa do Real
(Foto: Reprodução / Site Oficial do Barcelona)

Na segunda etapa, Evaristo ampliou aos 36. O brasileiro Canário diminuiu aos 41 e tornou a partida dramática no fim. Mas o Barça conseguiu a vitória. Eliminados pela primeira vez na Liga da Europa, os merengues reclamam até hoje de três gols que teriam sido mal anulados. Em um, inclusive, o árbitro inglês Leafe marcou falta de Canário, que sofrera pênalti antes de marcar.

- Não teve erro de arbitragem. Futebol é isso mesmo, tem discussão. Muitos alegam que a arbitragem nos favoreceu, mas não vi assim não. Merecemos a vitória. Eles reclamam de um lance, mas, se empatassem a partida, ainda haveria prorrogação. Tivemos motivos para comemorar. O Real tinha um timaço. O Di Stéfano vinha de trás. O Puskas ficava mais próximo da área, e batia muito bem. Não errava o gol. O Gento era muito rápido...

A euforia em Barcelona foi intensa após a vitória que eliminou o grande rival. Segundo Evaristo, houve um grande jantar para a diretoria e os conselheiros. O time avançou na competição e foi à final, contra o Benfica de Eusébio. Mas aí, o clube português levou a melhor, venceu por 3 a 2 e ficou com a taça. O brasileiro lamenta até hoje um lance no fim do jogo no qual a bola bateu na trave.

Com a camisa merengue

Di Stefano gol Barcelona 1960 contra Real Madrid Copa Europa
Apesar das queixas contra a arbitragem, Di Stefano
cumprimenta rivais pela vitória no Camp Nou (Foto:
Reprodução / Site Oficial do Barcelona)

Pouco depois, em 1962, o ex-atacante, revelado no Madureira e consagrado no Flamengo, estava do lado merengue. Com a camisa do Real, Mesmo assim, não deixou de ser ídolo para os catalães.

- Tive de sair do Barcelona porque o clube queria que eu me naturalizasse espanhol, e eu não. O Madrid me ofereceu um contrato sem essa obrigação. Mas, infelizmente, uma lesão no joelho me atrapalhou lá, apesar de que tive boas atuações - afirmou Evaristo, muito mais ligado ao clube catalão, onde foi campeão da Copa do Rei em 1959 e espanhol em 1959 e 1960. Na equipe merengue, foi tri espanhol, em 1963, 64 e 65 antes de voltar ao Flamengo para ser campeão carioca também em 1965.

Com 14 partidas e oito gols pela Seleção Brasileira, o ex-jogador e técnico, que deixou de ir ao Mundial na Suécia, em 1958, por ter se transferido para o exterior, viveu bons momentos também no Rubro-Negro, onde foi tricampeão carioca em 1953-54-55. Lembra da partida que garantiu o bicampeonato, contra o Vasco, Depois, no ano seguinte, os três jogos emocionantes contra o América.

- No primeiro jogo, na vitória por 1 a 0, o gol foi meu. Nos 5 a 1 para eles, ficamos com um a menos. Mas devolvemos depois, nos 4 a 1, placar que nos deu o tricampeonato. Foi também muito marcante - afirmou o ex-jogador.

Depois como técnico, Evaristo foi campeão brasileiro pelo Bahia (1988) e da Copa do Brasil pelo Grêmio (1997), além de conquistar titulos regionais pelo Tricolor gaúcho, o baiano e o Santa Cruz, entre outros. Mas o auge, reconhece, foi jogando pelo Barça. E hoje, quando ligar a TV para assistir ao Superclássico, vai lembrar certamente dos melhores momentos que viveu no Camp Nou. Especialmente aquele, em 23 de novembro de 1960.

Barcelona 2 x 1 Real Madrid
Ramallets, Olivella, Garay, Gracia e Verges; Segarra e Kubala; Evaristo, Kocsis, Suarez e Villaverde. Vicente, Marquitos, Santamaría, Pachin e Vidal; Zárraga e Canário; Del Sol, Di Stéfano, Puskas e Gento
Técnico: Enrique Orizaola Técnico: Miguel Muñoz
Gols: no primeiro tempo, Vergés, aos 33 minutos. No segundo, Evaristo, aos 36, e Canário, aos 41
Cartões amarelos: não havia na época
Local: Estádio Camp Nou, Barcelona, Espanha. Data: 23 de novembro de 1960. Competição: Liga da Europa (Liga dos Campeões). Público: 90 mil pessoas.



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