sexta-feira, 28 de janeiro de 2011

César sopra vela dos 19 anos e pede: 'Quero aproveitar a imensidão do Fla

Por Globo Esporte .com - Postado por Abraao Na Rede

A noite de aniversário ainda lembra os tempos de anonimato. Família reunida na acolhedora casa no Riachuelo, mesas espalhadas pelo quintal e videogame comendo solto na TV em plena calçada. Mas César jamais se lembrará da comemoração de seus 19 anos como apenas mais uma. O clima sem qualquer formalidade na Zona Norte do Rio é o de sempre, mas tudo cheira a transformação. O telefone toca mais do que o habitual. A camisa do Flamengo vira traje até do avô Álvaro, fanático pelo América. O bolo ganha escudo rubro-negro, decoração impensável para quem já foi vascaíno – algo que César se recusa a admitir, sem saber que um dos vizinhos já o havia “dedurado”.

Torcedor, porém, costuma ligar pouco para estes detalhes. Júnior, jogador que mais vezes vestiu a camisa do Flamengo, não nega que já torceu para o Fluminense na infância. O que os rubro-negros realmente querem saber é se César fará história na Gávea, apesar de só ter contrato até o fim do ano e estar vinculado ao Sendas. O goleiro é o único dos campeões da Copa São Paulo com futuro incerto a curto prazo. Mas o discurso lembra o 'agora eu sou Mengão' gritado por Ronaldinho Gaúcho em sua chegada à Gávea.

- Na infância eu adorava futebol, mas não era de ir a estádio, gostava de acompanhar todos os times daqui e de fora – despista o goleiro. – E agora sou Flamengo. Não tem como não ser, foi o clube que me acolheu, que me deu essa alegria de ser campeão com estádio lotado em São Paulo. Não esperava aquela multidão gritando meu nome, nunca joguei para tanta gente nem em preliminar de clássico, não dá para descrever. É claro que eu quero ficar e tenho esperança de que é isso que vai acontecer.

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Família reunida: parece, mas não é mais um aniversário qualquer (Foto: Alexandre Durão /Globoesporte.com)

A negociação para a permanência é aparentemente simples. O Sendas cobra R$ 150 mil pela liberação, e César ainda não tem empresário. Mas não faltam interessados. Leonardo Moura, jogador de Eduardo Uram, comentou com o goleiro por alto que seu agente gostaria de conhecê-lo. O destaque da final contra o Bahia já recebeu ligações com outras ofertas.

- Mas nada muito certo, só papo mesmo - comenta.

O assédio e as novas cores do coração são apenas algumas das mudanças dos 19 anos. Depois das defesas na decisão de terça-feira – que o próprio não se cansa de rever em vídeos na internet -, César virou celebridade. Na última quarta, se deu o luxo de trocar o trem e a linha 747 (Madureira-Vargem Grande) por uma corrida de táxi até a Gávea, de onde foi para o Ninho do Urubu no ônibus do clube. Estava com uma bolsa de viagem do Flamengo e sabia que no meio do povo corria sério risco de se atrasar com os inúmeros pedidos de fotos e autógrafos.

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Game na calçada: infância prolongada (Foto: Alexandre Durão / Globoesporte.com)
- Cara, você não acredita. Na quarta, fui à estação de Riachuelo pegar um trem para a Central. O maquinista gritou meu nome! O trem estava andando, eu na plataforma, e ele me reconheceu de longe! Na autoescola, o professor também disse que ficava feliz de me dar aula. No supermercado, um garotinho veio correndo e agarrou na minha perna. De vez em quando assusta, mas está sendo tudo muito gratificante – comentou o jogador, com um sorriso tão largo quanto seus saltos.

A câmera ligada no meio dos convidados da festa lembrava o Big Brother, e César sabe bem o que quer: se tornar líder da casa rubro-negra. Com ensino médio completo, garante ter sido ótimo aluno de português e matemática, sem ter ficado sequer em recuperação em qualquer outra matéria. É articulado e só lembra o estereótipo do boleiro ao citar Deus em todas as frases. No campo, seu messias é Rogério Ceni, exemplo do que pretende ser quando crescer, ou melhor, amadurecer - já que tem 1,92m, quatro centímetros a mais que o camisa 1 são-paulino.

- Gosto muito de falar, sempre peço a palavra nas correntes, tenho esse espírito. E o Rogério é isso, é muito mais do que um goleiro no São Paulo. Até penso um dia em jogar lá fora, mas acho que o momento agora é de aproveitar essa fase. Subir para o profissional já é muita coisa. Conviver com o Felipe, que já foi ídolo do Corinthians e certamente vai se firmar aqui... No último treino eu estava doido pra agarrar, enfrentar o Ronaldinho, mas estou com dor e o médico achou melhor não forçar. Os jogadores me cumprimentaram, queriam me colocar no corredor polonês pelo aniversário, mas escapei. É muita coisa acontecendo. Quero aproveitar essa imensidão que é o Flamengo. Mas agora é botar os pés no chão de novo, ficar tranquilo e trabalhar.

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Eric não conseguiu ser goleiro. Agora, reza pelo irmão (Foto: Alexandre Durão / Globoesporte.com)

Exemplos de que a vida pode ser cruel não faltam. Aos quatro anos, viu sua mãe se separar. O pai ficou distante. Um baque só compensado pela presença constante de Álvaro, o avô materno. Eric, seu irmão mais velho, tentou ser goleiro e não passou do Bonsucesso. Já como jogador também esteve perto de uma história sem final feliz. A alegria, a admiração por Rogério Ceni e o desejo de liderança remetem a Bruno, que foi de capitão do Fla a prisioneiro. César chegou a treinar com o antigo camisa 1. Fez inclusive alguns desafios de disputa de pênalti.

- Perdi todos, claro, o cara era demais. Quando soube da notícia da prisão levei um susto. Até hoje é difícil acreditar – lembra César, que defendeu uma cobrança na semifinal da Copinha, na disputa de pênaltis contra o Desportivo Brasil.

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O avô Álvaro assumiu o papel de pai com a separação da filha (Foto: Alexandre Durão / Globoesporte.com)
César, no entanto, não tem a vocação de Bruno para colecionar namoradas. Está há dez meses com Amanda, depois de dois anos de amizade na igreja (é evangélico). A amada só tem uma concorrente. Enquanto não alcança o sonho de virar referência rubro-negra, o goleiro acata direitinho as ordens de Madalena, mãe protetora até o último fio de cabelo. Foi graças a ela que César conseguiu começar a carreira no Fluminense, depois de enfrentar o Tricolor em um jogo de futebol de salão pelo Clube Garnier. Partida em que por pouco não foi desfalque.

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A mãe Madalena: carinho nas horas fáceis e difíceis (Foto: Alexandre Durão / Globoesporte.com)

- Ele tinha uns sete para oito anos, estava caidinho de febre, não queria deixar ele ir de jeito nenhum. Mas era importante para ele, desde cedo sabia se impor. Queria mesmo ser goleiro – lembra a mãe.

Depois de superar a febre e se destacar, César trilhou o caminho do salão para o campo. Para que o filho fosse diariamente a Xerém, Madalena se desdobrou. Segundo ela, a saída do Fluminense se deu por problemas financeiros. Demitida do emprego de vendedora, não tinha mais como bancar a longa viagem diária. A diretoria não quis ajudar. Resolveu, então, levá-lo a São Januário, bem mais perto de casa. César começou a treinar no clube, mas o registro na federação ainda pertencia ao Tricolor, que não o liberou. Madalena pediu ajuda a Siro Darlan, ex-juiz da infância e da juventude do Rio. Ganhou o processo, mas o Vasco já não tinha interesse. César foi jogar na Mangueira, disputou campeonatos de favelas e despertou a atenção do Sendas. O último clube grande a perdê-lo foi o Botafogo, que recebeu oferta do Sendas para ficar com o goleiro e não aceitou. Chegou ao Flamengo em dezembro de 2009. A última opção virou a primeira na lista de desejos. Madalena espera que o casamento não desmorone como o seu.

- No Flamengo só faltaram colocar tapete vermelho, mudou completamente a vida do meu filho. Conheci a Patrícia Amorim, me identifiquei muito com ela, uma pessoa doce, simples. Tomara que o César fique lá por muito tempo.

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Amanda, a namorada: paixão e devoção que começou na igreja (Foto: Alexandre Durão / Globoesporte.com)

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